quarta-feira, 22 de maio de 2013

Maracanã, a destruição de uma obra tombada: um crime contra o patrimônio histórico e artístico nacional.

Estrutura arquitetônica original do Maracanã, em fase 
final de construção em 1950.

A demolição da marquise e das arquibancadas do Maracanã, denunciadas por uma reportagem, constituem um flagrante desrespeito com a nossa história, pois essas estruturas eram tombadas pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). Como vimos (Maracanã, um caso flagrante de ilegalidade que envolve a demolição de uma obra tombada pelo IPHAN), a autorização concedida pelo ex-superintendente do órgão não tinha respaldo legal, pois somente o presidente da república pode autorizar intervenções de demolição/ mutilação dessa natureza, que constituem alterações características de destombamento.
Como historiador, não posso deixar de externar meu repúdio, minha profunda indignação. O Maracanã representa ou pelo menos representava, pois já foi demolido, um patrimônio material e imaterial, por isso foi tombado. Sua estrutura arquitetônica original contava não apenas a história do nosso futebol, mas também a história da arquitetura do nosso país, bem como representava um testemunho da nossa cultura e tradições.  Como parte importante da paisagem urbanística da cidade, o estádio sempre foi um dos principais pontos turísticos do Rio.
Da mesma forma que o Cristo Redentor ou outras obras tombadas, o Maracanã habitava o imaginário coletivo de brasileiros e estrangeiros, por isso sempre foi considerado uma das maiores expressões de nossa brasilidade. A traumática derrota na final de 1950, os clássicos como o Fla-Flu, a torcida do Flamengo e dos demais times cariocas, a festa popular dos geraldinos nas arquibancadas, a construção em concreto armado, verdadeira obra de arte da moderna arquitetura brasileira. Tudo isso foi apagado, demolido, expurgado, não para atender o interesse público, mas para beneficiar as empreiteiras, as empresas privadas e os políticos mal intencionados, que não medem esforços para atender as exigências da FIFA.

Reabertura do Maracanã: de expressão da cultura popular
 e de brasilidade a palco do Caldeirão do Huck. Não é 
difícil perceber a que interesses sua demolição atende.

Para atender tais exigências, que comprometem a nossa soberania, governantes irresponsáveis deformaram e mutilaram completamente o Maracanã, transformando-o em um estádio comum, igual ou similar a todos os outros que seguem o padrão FIFA. Toda a sua monumentalidade, sua especificidade, seu caráter único, que justificaram, inclusive, o seu tombamento, foi trocado por um padrão que uniformiza, desrespeitando vários aspectos históricos e culturais de nossa sociedade. A bem da verdade, tudo isso faz parte de um projeto político, que tem por objetivo final a elitização e a higienização dos estádios. Não sejamos ingênuos, o conceito de "arena", importado ou macaqueado dos gringos, escamoteia uma situação perversa: a expropriação do futebol brasileiro, que com isso perderá cada vez mais a sua dimensão de expressão popular.
Esse verdadeiro descalabro merece uma resposta a altura, não apenas por parte dos profissionais responsáveis pela preservação do nosso patrimônio, cultura, história e memória (arquitetos, historiadores, antropólogos, entre outros), mas também por parte do próprio poder público (Ministério Público e Justiça Federal e Estadual), bem como da sociedade civil. Particularmente, como historiador, espero ainda que os meus pares se manifestem sobre esse ato ilegal e irresponsável.
Penso que entidades como a ANPUH (Associação Nacional de Professores Universitários de História) e o IHGB (Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro), bem como todas as suas respectivas seções regionais e estaduais, têm o dever e a obrigação de se pronunciar sobre a demolição de uma obra tombada, que possui  inestimável valor histórico. Os historiadores, tanto individual quanto coletivamente, não podem se calar diante desses fatos. Precisam se opor a essa ilegalidade, denunciando e divulgando, através de notas oficiais das entidades que os representam, mas também individualmente, utilizando as redes sociais. Somente assim estaremos cumprindo o nosso papel social, que relaciona-se com a preservação da nossa história e da nossa memória.

Um comentário:

  1. Realmente uma lástima para a cultura popular brasileira. À pouco tempo perguntei à minha professora da cadeira de Patrimônio Histórico Cultural, na faculdade de História Bacharelado, se o Maracanã era um patrimônio tombado pelo IPHAN. Ela não soube me responder. Fui procurar, pois não era possível não ser, por toda sua representatividade, e ao mesmo tempo tendia a não ser, uma vez demolido para "reforma".. Enfim, é triste mas esta ae, aconteceu.

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