terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Futebol, carnaval e cultura brasileira: o desfile da Estácio de Sá homenageando o Flamengo em 1995.

Não restam dúvidas de que carnaval e futebol são duas das maiores paixões da grande maioria do povo brasileiro. Manifestações culturais típicas do nosso país, fruto da espontaneidade e autenticidade das massas, essas paixões foram por muito tempo as únicas referências do Brasil no mundo. Muitos sentiam-se envergonhados ou mesmo revoltados por nascerem e viverem em um país que destacava-se no mundo "somente pelo futebol e carnaval". Concordo apenas em parte com esse sentimento. O Brasil é um país enorme, riquíssimo em bens materiais e imateriais, com potencial para se destacar em outros setores como  economia, educação e desenvolvimento social, por isso, acho legítimo esse sentimento. Discordo, no entanto, do pouco valor atribuído a essas manifestações culturais, tratadas com desdém quando acompanhadas do adjetivo "só", como se o carnaval e o futebol não fossem, por si "sós", manifestações legítimas, dignas de representar o Brasil no exterior.
Penso que essa valoração negativa relaciona-se com alguns dos aspectos ligados a nossa identidade, bem como com os preconceitos alimentados sobre a cultura popular. De fato, para uma certa inteligência brasileira ainda hoje é muito difícil aceitar que o reconhecimento do Brasil no exterior se apresente somente através do samba, carnaval e futebol, manifestações culturais que escapam completamente do ideal de civilização, idealmente representada na figura do branco europeu. Nesse sentido, entendo que o processo de valorização dessas manifestações está relacionada a aceitação de nossa identidade, que só será verdadeiramente assumida quando reconhecermos a cultura popular brasileira como elemento legítimo e autêntico do ser brasileiro.
No que se refere a isso, podemos perceber que alguns atentaram para a importância dessas manifestações, conseguindo perceber a relação que o futebol guarda com a cultura brasileira, principalmente, nos  aspectos relacionados aos seus elementos étnicos, musicais e festivos. Gilberto Freyre, por exemplo, em prefácio referente ao clássico escrito por Mário Filho (O Negro no Futebol Brasileiro), afirma que no estilo brasileiro de jogar futebol estão presentes um pouco de samba e frevo, um pouco de molecagem baiana e até um pouco de capoeiragem pernambucana ou malandragem carioca. Nelson Rodrigues, por sua vez, em uma de suas memoráveis crônicas, expressa bem essa relação do jogo com a dança e a música, quando diz que em uma simples ginga de Didi, há toda uma nostalgia de gafieiras eternas.
As ligações intrínsecas entre essas duas manifestações culturais podem ser observadas também nos estádios: nas arquibancadas, os instrumentos musicais embalam os ritmos e cantos das torcidas, que invariavelmente entoam refrões de marchinhas ou sambas, enquanto no campo é comum os atletas comemorarem seus gols com passos que remetem a alegria da dança. Muitos atletas frequentam os sambódromos e se vêem como verdadeiros sambistas, enquanto muitos músicos juram que poderiam ser excelentes jogadores de futebol. Pensando nessa relação, resolvi postar um vídeo para quem já está com saudades do carnaval. Relembraremos o desfile da Estácio de Sá, escola de samba do Rio de Janeiro, que no ano de 1995 defendeu o samba-enredo intitulado "Uma vez Flamengo", homenageando o centenário do time carioca, um dos clubes mais populares do Brasil. Com o apoio financeiro do clube Gávea, e sob a supervisão do carnavalesco Mário Borriello, a Estácio de Sá obteve a sétima colocação no grupo especial do carnaval de 1995.

Flamengo (1995). Na foto é possível identificar jogadores como Ronaldão, 
Marquinhos, Djair, Edmundo, Sávio e Romário.


Chamo atenção para como as fantasias, os adereços, as alegorias e a letra do samba foram utilizados para contar a história do Flamengo. Destaque também para alguns passistas famosos que participaram do desfile, tais como Romário e Vanderlei Luxemburgo, contratados para formar aquilo que seria o melhor time do Brasil e do mundo na época. O baixinho vinha de um ano espetacular, pois tinha sido campeão mundial levando a seleção brasileira nas costas em 1994. Luxemburgo, por sua vez, também havia se destacado em anos anteriores, sendo bicampeão brasileiro em 1993-1994, no comando técnico do memorável Palmeiras. Como se não bastasse, o Flamengo contava ainda no seu elenco com jogadores como Edmundo e Sávio, o que fez com que sua linha de frente recebesse, por parte da imprensa e da torcida, a denominação de melhor ataque do mundo.
Em campo, no entanto, as expectativas criadas sobre o time não se confirmaram, como bem demonstram os resultados obtidos pelo Flamengo em 1995. De todos os campeonatos disputados, a única "conquista" foi uma Taça Guanabara, que representou muito pouco diante dos investimentos feitos pelo clube. O Campeonato Carioca foi ganho pelo Fluminense, em uma final com Fla-Flu histórico, definido com um gol de barriga de Renato Gaúcho. No Campeonato Brasileiro, vencido pelo Botafogo (RJ), o time da Gávea obteve apenas a vigésima primeira colocação, enquanto na Copa do Brasil chegou a fase semi-final, oportunidade em que foi eliminado pelo Grêmio, que acabou sendo derrotado na final pelo Corinthians, mas, em compensação, sagrou-se campeão da Libertadores. As frustrações flamenguistas completaram-se ainda com o vice-campeonato da Supercopa da Libertadores, perdida para o Independiente (ARG) em dois jogos de mata-mata. Outros times como Vasco, Fluminense, América (RJ), Corinthians, Internacional (RS), Grêmio e Coritiba, somente para citar os casos mais conhecidos, também foram temas nos desfiles de escolas de samba, sendo muitos igualmente homenageados pelos seus centenários. Mas esses desfiles são temas para outras postagens. Boa quarta-feira de cinza a todos!

Para relembrar: desfile da Estácio de Sá (1995), samba-enredo "Uma vez Flamengo".

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